quinta-feira, 10 de abril de 2008

"CRIME EM LINDA-A-VELHA CITY" - CAPÍTULO 1

Pessoal:
Como já reparei que este blog está com um tráfego pouco assinalável, decidi começar a publicar aqui, em primeira-mão, o thriller "Crime em Linda-a-Velha City", que deverá estar concluído lá para 2015.
Sempre servirá para o pessoal mandar umas bocas e dar dicas sobre o desenvolvimento da estória. Ou passar à frente sem ler. Quem fizer esta opção nem sabe o que vai perder...
Olhem, divirtam-se!


“Se o leitor acha que já viu tudo na vida – desde porcos a andar de bicicleta até à vitória do Benfica na Liga de Futebol, passando pela conclusão dos processos Apito Dourado e Casa Pia – tem agora uma excelente oportunidade para se reconciliar com o passado. E perceber que ainda pode descobrir inesgotáveis motivos para viver um futuro cada vez mais interessante.
Um desses motivos é, seguramente, a publicação pela norte-americana HarperCollins do único (e, portanto, mais recente) livro de Manny González, um jovem promissor de Linda-a-Velha City, enclave mundialmente conhecido pela produção de amendoins, situado algures no Panamá.
Na sua próxima viagem ao WC, mergulhe no enredo arrepiante de “Crime em Linda-a-Velha City”. Desde já fica o alerta: o primeiro capítulo agarra mais que uma linha de cocaína. Ao segundo, prepare-se, pois caminha irremediavelmente para uma overdose.
Se resistiu à droga literária que aqui lhe propomos e já tem o terceiro capítulo à vista, está na hora de ir rezar a Fátima. Porque Deus protege-o!
Logo de seguida, faça as malas e viaje para um destino longínquo. Mas não leve “Linda-a-Velha City” consigo… e deixe também o protagonista JC em terra, porque teria de pagar excesso de bagagem.”

In Suplemento “Books Review”, The Very New Washington Post

Advertências:
Qualquer semelhança com pessoas ou factos reais será puro delirium tremens do leitor.
Todas as marcas comerciais referidas não são fruto do acaso, na medida em que representam compromissos publicitários e, consequentemente, uma valiosa acumulação de activos financeiros para o autor, não declarados ao Fisco.


“CRIME EM LINDA-A-VELHA CITY”

CAPÍTULO 1 (de 17.972)
JC – UM COMPINCHA DO CACETE

“Algo me diz que vou acabar os meus dias numa quinta.
Quero que os meus filhos cresçam sujos mas felizes”
Charlize Theron

O meu nome é JC. Já muitos tentaram descodificar estas iniciais. Mas apenas um atingiu o cume do conhecimento: um esforçado vendedor das Listas Telefónicas. Claro está, obriguei-o a um acordo de confidencialidade.
Um gajo tem de fazer muitas opções enquanto se arrasta por este planeta, não é verdade? Muitas vezes acertadas, algumas vezes, raras, desastrosas. É a vida!
Imaginem que engato uma garina e, antes de a coisa se compor a meu proveito, ela dá de frosques porque tem de chegar a casa antes da meia-noite… Imaginem que o papelinho onde ela anotou o meu telefone foi no bolso das calças 501 para a máquina de lavar roupa… Imaginem que ela é suficientemente tonta para querer voltar a falar comigo… Imaginem que ela vai à lista telefónica… O que é que acontece? Nada!
Apesar de tudo, sou um homem tranquilo, capaz de adormecer durante a exibição de um assustador vídeo no YouTube, daqueles em que um puto é transferido à força para outra escola, por ter cuspido no chão, com a agravante, embora menor, de ter estropiado um professor há duas semanas atrás.
Os putos de hoje são lixados.
Não me refiro aos de Linda-a-Velha City, obviamente. Neste particular, a cidade é paradigma de uma boa inserção dos jovens na vida escolar e dos adultos na vida activa, conceito exportado com sucesso para outras metrópoles, nomeadamente aquelas que acolhem os Jogos Olímpicos.
Esta é, aliás, a segunda fonte de receitas de Linda-a-Velha City, apenas ultrapassada pela dos amendoins.
Os meus amigos dizem que vivo sem stress, talvez porque consigo emborcar uma cerveja Heineken durante um sismo de grau 7 da escala de Richter, sem entornar uma gota.
Os meus inimigos têm outra opinião, o que não me preocupa. Os pitbull atacam e eu atiro-lhes uma criancinha… (a dos cães ladram e a caravana passa está muito gasta). Afinal, nem o Cavaco, meu conterrâneo dos subúrbios de Linda-a-Velha City, consegue fazer o pleno.
Tenho uma máxima que é: sei que um dia estarei lá, não sei é onde. É inebriado por esta metódica incerteza que vou enfrentando os desafios que invadem a minha pacata vivência quotidiana.
Se contemporizo com os meus amigos, mesmo quando me chamam totó, relativamente aos inimigos a minha outra máxima é: se não fechas a matraca, levas com um processo do tamanho daqui até à lua!
Eu nunca fui à lua. Nunca fui além de Ayamonte. Mas já vi, num filme, um gringo a passear por lá. Não me lembro do nome dele, o que não é de estranhar, porque tenho notado ultimamente alguns lapsos de memória.
Porém, os americanos afirmam que fica longe como o caraças. Acho estranho, pois consegue-se vê-la da minha rua. E até de Badajoz, que fica certamente mais longe.
Mas aprendi a não desmentir os americanos. Os últimos que o fizeram, ali para os lados do Médio Oriente, acho eu, foram invadidos. No mínimo, devem ter acusado os gringos de não lavarem os dentes antes de irem para a cama…
Além dos lapsos de memória, que sucedem cada vez com maior frequência, mesmo quando evito encharcar-me em vodka Stolichnaya Gold, também me sinto perdido neste mundo.
Acho que não nasci aqui. No entanto, todos os dias ao acordar, pego no bilhete de identidade e está lá, preto no amarelado, natural de Linda-a-Velha City.
Com excepção destes dois fenómenos, sou uma pessoa normal. Compro líchias na mercearia do bairro, vejo a RTP Memória (aquilo é que é programação, o Benfica a dar uma trepa nos outros todos), ajudo à missa aos domingos, dando ao badalo (na igreja, claro), auxilio os imigrantes de leste a atravessar a rua (duas vezes por semana, invariavelmente), papo todos os filmes do Manoel de Oliveira.
Também dedico muito tempo à leitura (a minha caixa de correio é a única do prédio que não tem afixado o autocolante “proibido colocar publicidade”).
Sou um gajo tão doentiamente normal que, quando o Manny González me desafiou para protagonizar “Crime em Linda-a-Velha City”, olhei para o bacano com aquele meu ar inteligente e perguntei-lhe:
- Tás a gozar aqui com o manguelas, não é?
Recordo hoje tão claramente esta situação, como na época em que fui confrontado com o desafio, há dois dias atrás. Ou seriam três? Se calhar foi há duas semanas...
Era uma manhã cheia de sol. Os passarinhos chilreavam nas laranjeiras. Ou eram as cores vivas dos tucanos que contrastavam com as folhas das palmeiras? O sistema de rega da câmara bombeava, com jactos de água cristalina, os jardins magnificamente tratados da praça central da cidade.
Um pombo cagava-me em cima da t-shirt Gant de alva pureza made in Taiwan. Ou era Tommy Hilfigher negro algodão made in China? Uma peixeira apregoava a bela dourada de aquicultura… Espera lá! No tempo das peixeiras, as douradas ainda vinham do mar. Esta memória prega-me cada partida!?
- Pago-te dois licores beirão, ali na espelunca da esquina! – desafiou-me o Manny.
- Sete, e duplos – negociei.
- Esqueces os duplos e baixas para cinco! – retorquiu o escritor.
- Cinco, mais uma camisola da Selecção, e tem que ser autografada pelo Manel “do Snack” Silva – disse eu, que não sou parvo.
- Quatro!
- OK e acrescentas um cheque de 200 aéreos – arguí, cheio de estilo.
- Dois shots e a iguana que tenho lá em casa – propôs o Manny.
Confirmei, então, que o gajo me estava a tentar levar à certa. Puxei do maço de português suave, retirei calmamente um cigarro, acendi-o com prazer libidinoso e, por entre o volutear do fumo expelido pela protuberância labial, tive um raro momento de lucidez e disparei:
- Esquece os copos, que só bebo depois de almoço! Dás-me tudo o que tiveres agora na carteira!
- Oh meu, isso não vale! – afirmou Manny, franzindo o sobrolho de surpresa.
- É pegar ou largar, oh pintas! – insisti, ao mesmo tempo que dava um passo de kizomba, para baralhar o gajo.
- Pronto, ganhaste – disse Manny, com ar de sem abrigo com escassez de papelão, passando-me a carteira Camel Active.
Logo ali, Manny tirou do bolso uma factura de restaurante, alisou-a no capot do seu Seat Ibiza Córdoba 1.2., de 70 CV e, no verso do papel, pôs em letra de forma as cláusulas contratuais.
Com um elegante volutear da mão, saquei a minha bic escrita fina do bolso traseiro dos blue jeans 501 e firmei o contrato milionário. Apertámos as manápulas e separámo-nos com votos de profícua colaboração no universo literário.
- Nunca uma negociação me tinha corrido tão bem! – disse para os meus botões. Como a t-shirt não tem botões, tive de me pôr de cócoras, para falar com os ditos dos blue jeans 501 (nota do autor: perdoem a repetição, mas são mais umas coroas que vão engrossar o meu património).
Quando me ergui, senti uma dor aguda na zona intestinal e, vá lá saber-se porquê, recordei a minha primeira negociação bem sucedida.TO BE CONTINUED…

2 comentários:

RJAM disse...

Sim senhor, estou sem palavras (pudera, gastaste-as todas). Este blog está a subir de nivel e a trilhar caminhos zigzagueantes (inventei agora, não faz parte do novo acordo ortográfico). Não sei se vou conseguir dormir à espera do que virá depois do "to be continued...". Boa Manel, tirando a arteriosclerose, estás tão inspirado como nos tempos da famosa Radio Algés. Assinado: Um pintas de Linda-a-Velha City.

Anónimo disse...

e é para quando o próximo episódio???? Estou aflita...e olha que só faltam 2818 dias para dezembro de 2015...e assim conhecermos o fim da história...