sábado, 19 de abril de 2008

"CRIME EM LINDA-A-VELHA CITY" - CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 4
JC TEM UMA DESILUÇÃO DO CACETE

“Tudo o que o Chateaux (José Castelo Branco) sabe
fui eu que lho ensinei”
Lili Caneças

Recordam-se que, no capítulo anterior, JC saíra do stand, montado na sua Yamaha amarela? Ah é uma Kawasaki cinzenta? Pois seja!
JC acelera e faz o trajecto até à sua residência a uma média de 200 à hora. Quer chegar muito rápido.
Como ele não fez qualquer desvio, não parou para dar boleia às miúdas que assobiaram à sua passagem, nem sequer para limpar o resto do cocó que ainda resistia nas solas dos seus ténis Nike SB Dunk Mid Black Graphite, e mora a 100 metros do stand, demorou (deixem-me puxar da calculadora…) 1,8 segundos. Caramba! Se existisse alguém lá na rua com a alcunha de Speedy González, esse alguém só poderia ser JC.
O nosso herói sobe, um-a-um, os 15 degraus da escada que dá acesso à cozinha do primeiro andar do seu duplex.
O chão de linóleo, num rosa-choque de chocar (passe o pleonasmo), articula-se em todo o seu esplendor cromático com o papel de parede verde-alface, entrecortado, aqui e ali, por rostos do Mickey – desenhados a preceito por um ilustre perito informático, desenhador de mickeys nos tempos livres, natural de Linda-a-Velha City.
Also known as Slow Down.
Quando o traço dos mickeys sai ligeiramente tremido, este verdadeiro artista costuma justificar-se com as palavras de Siza Vieira: “Às vezes também se fazem bons desenhos com uns copos de uísque, a mão fica mais solta do que antes”.
Móveis IKEA, em que foram apostas figuras autocolantes do Livro da Selva, completam o trabalho de um desconhecido decorador, que o autor e, aposto, todos os milhões de leitores, querem continuar a ignorar.
JC abre o frigorífico e dele retira uma mini Sagres. Fecha o equipamento refrigerador e abre a gaveta do único armário da apertada divisão. Aquela gaveta onde normalmente se encontra uma série de gadgets que não servem para nada.
Revolve a gaveta, mas não encontra a peça desejada. Interroga-se sobre o seu paradeiro, mas, como sabemos, JC tem frequentes lapsos de memória.
Seguindo uma técnica lida recentemente, num livro anunciado como apresentando “os mais avançados métodos de incremento da capacidade mental e desenvolvimento da performance sexual” (agarrem uma calma, leitoras, porque ele ainda não chegou a esta última parte), coloca-se no centro da cozinha, fecha os olhos, inspira e expira 30 vezes. Por fim, as suas cordas vocais libertam um portentoso kiiiiaaaaiiii.
Após concluir esta operação, dirige-se ao microondas Whirlpool AMW 355.
Abre a porta do forno. Introduz a mão direita no interior, com estudada suavidade, e de lá retira um estranho dispositivo, que, em movimento ondulatório, coloca à altura dos seus órgãos visuais. Confirma que se trata do precioso abre-cápsulas.
Transporta-o para a bancada da cozinha. Envolve com a mão esquerda a pequena embalagem de cerveja, vulgo garrafa, dispõe o abre-cápsulas na tampa do recipiente e, com um movimento ascendente da mão direita, faz saltar a cápsula, vulgo carica.
JC senta-se na cadeira de vinil em tons frutos vermelhos (escolham entre morango, framboesa, amora, mirtilo, groselha, acerola, até parece a letra de uma canção do Rui Veloso).
Puxa, finalmente, da carteira de Manny. Varre com a mão algumas migalhas de pão de Mafra, dispersas na mesa de contraplacado em cinza escuro, matizado de lilás.
Começa por espalhar sobre a mesa os documentos extraídos da carteira.
Esfrega as mãos, com entusiasmo, e dá início ao inventário dos cartões.
- Sport Lisboa e Benfica… Hipermercados Continente… Passageiro Frequente da Air Maldivas… Associação de Amizade Ilhas Faroé-Burkina Fasso… Clube de fãs da Ana Malhoa… Associação de Floricultores de Oliveira do Bairro… Membro Permanente da Audiência das Tardes da Júlia Pinheiro… Clube dos Coleccionadores Dos Processos Judiciais Em Curso Há Mais De Cinco Anos E Que Não Há Meio De Chegarem Ao Fim…
E ainda mais uma meia dúzia de documentos de igual utilidade.
Depois de analisar a vasta documentação, JC estremece e quase cai da cadeira.
- Porra! Tudo fora de prazo! Mas, espera lá, também aqui está um preservativo! Ena, ena, “Preventor sabor a Champanhe”, a minha marca favorita. As miúdas adoram as bolhinhas gasosas (além de protuberâncias no estado sólido). Mas às vezes fico realmente chateado. Sobretudo quando elas não estão habituadas a beber.
Temos que dar razão a JC. Alguém gosta que lhe vomitem na cama, principalmente naqueles ápices em que assim como quem diz à beira de atingir coisa e tal aquilo que vocês sabem e se não sabem eu digo que é um orgasmo?
- Fora de prazo! Grande porra! – Protesta JC.
Ele estava a falar de miúdas, mas agora refere-se ao preservativo, claro.
As miúdas têm normalmente um prazo de validade muito grande, como o mel ou as sardinhas em lata.
E não contêm corantes, aromatizantes, conservantes, estabilizantes, emulsionantes, edulcorantes, anti-oxidantes e intensificadores de sabor.
Na verdade, nem todas! Algumas convivem excessivamente com cirurgiões plásticos, acumulando mamoplastias, lipoaspirações, liftings, próteses e implantes de silicone, rinoplastias, botoxes… mais ou menos como o sistema de pontos dos cartões das bombas de gasolina.
Como é que JC distingue as que estão dentro do prazo daquelas que estão cheias de aditivos?
- É fácil – costuma ele explicar – as que contêm aditivos têm na testa a letra E, seguida de um número. Basta andar com uma cábula no bolso. Por exemplo, as que têm entre o E200 e o E297 contêm conservantes, entre E620 e E640 contêm intensificadores de sabor. Fácil não é?
Após esta curta viagem de metropolitano (ah não foi? Foi de táxi? Desculpem lá, queridos leitores, mas cada um senta-se onde quer, OK) à vida íntima de JC, vamos agora encontrá-lo, furibundo, no momento em que atira com a carteira de Manny para cima da mesa.
Nesse instante, salta de lá mais um cartão, que colide numa embalagem de manteiga de marca branca, já algo rançosa e em estado líquido, que desliza para o colo de JC.
- F…-se! Grita exasperado, levantando-se para despir as 501.
Ao regressar à mesa, agora em cuecas salpicadas de angelinas jolies com criancinhas do darfur ao colo, desperta-lhe a atenção o logótipo em estrela e a designação Killing Quickly, Inc., bem visível no fundo azul do cartão.
A ausência de fotografia e a presença de um minúsculo chip são características que tornam este cartão muito diferente dos restantes. Igualmente nítido o nome do seu detentor.
- John Clone? Mas quem é este fulano? – pergunta-se JC – E o que faz este cartão na carteira do Manny? E as galinhas comem alpista? E a Angelina Jolie vai adoptar mais uma criancinha? E o Sócrates remodela a ministra da Educação? Ele há cada mistério…
Perdido nos meandros destas interrogações, embrenhado na resposta a estas importantes questões, só alguns minutos depois JC recorda que ainda não investigou o compartimento das notas.
- Venham de lá as notas, suas maganas – grita JC numa explosão de alegria.
Mas tal sentimento foi de curta duração.
O lugar das desejadas notas de 500 euros estava preenchido por bilhetes, já utilizados, para o jogo de voleibol de praia Costa do Marfim – Ilhas Maurícias.
E, assim, a esperança morre na praia.
JC remete-se ao silêncio. Um silêncio aterrador. Como se o tecto da Capela Sixtina lhe tivesse caído em cima da cornadura e acordasse na cama do hospital, com o Papa sentado ao lado a dar-lhe a extrema-unção.
E recorre ao seu livro de cabeceira “A Arte da Guerra”, de Sun-Tzu, para um derradeiro pensamento, que verbaliza:
- “Um exército vitorioso obtém vantagem antes de ter procurado a batalha; um exército votado à derrota combate na esperança de ganhar”.
Não foi bem desta forma que JC se expressou. Na realidade, ele afirmou:
- O c… do Manny f…-me. Filho da p… da merda. Lá se foi a minha Kawasaki para o c… #%&)/?!!&% que os f… a todos esses c… $#%&%$!
O que é que querem que vos diga? Afeiçoei-me ao gajo! E garanto-vos que, antes do final do thriller, farei dele físico nuclear.
Alerta: não tentem encontrar Killing Quickly, Inc. no supermercado. Não é uma bebida, é uma corporação obscura dedicada ao crime. Não confundir com o concentrado de sumo SunQuick, que não presta, não sabe a fruta, mas não mata. O autor não se responsabiliza por eventuais danos físicos se os leitores consumirem Killing Quickly, Inc., ainda que em quantidades insignificantes.
TO BE CONTINUED…

5 comentários:

RJAM disse...

Ainda estou atordoado ... vou ler outra vez (gostei daquela dos Mickeys, claro).

MANUEL JESUS disse...

Thriller que é thriller não dispensa um mickey da autoria do slow down. Hei-de aniquilar o gajo num dos próximos capítulos... o mickey, claro!

Fernando Bugalho disse...

Estou como o homem dos Mickeys, atordoado...
Principalmente com o padrão das cuecas do JC. A Kawasaki cinzenta não pode ser uma Susuki amarela ?

Anónimo disse...

Uau!!!!!A trama começa a mostrar os vários caminhos...Será que JC vai até a tal organização com o tal cartão? Será que lá além de vários bandidos ele vai encontrar a tal gaja mesmo má que lhe dará cabo da cabeça e do corpo???Será que o desenhador de Mickeys e os Vasconcelos Brothers vão mandar lá em casa a policia para arrastar os bens adquiridos e não pagos????
Não sei...espero ansiosa pelo próximo capitulo....

MANUEL JESUS disse...

Bugalho: prometo que a próxima mota do JC será uma Suzuki amarela.
Anónima: Andas lá perto... minha malandra, mas bateste ao lado.