domingo, 13 de abril de 2008

CRIME EM LINDA-A-VELHA CITY" CAPÍTULO 2

Para todos aqueles que achavam que isto não passava do 1º capítulo e, em especial, para os 2 ou 3 leitores fiéis que fizeram comentários, aqui vai o 2º capítulo.

CAPÍTULO 2
JC EM FLASHBACK – A PROFESSORA E O MASERATI

“Não quero que os meus filhos pensem
que os ovos vêm das caixas do supermercado”
Ana Borges

No final do capítulo anterior, JC sentiu uma dor aguda na zona intestinal, vulgo vontade de cagar, e aquela que foi a sua primeira negociação bem sucedida surge-lhe em flashback.
Já passaram umas décadas, ainda eu me passeava na escola primária. Aproximava-se o final do ano lectivo e as minhas notas praticavam actividades subaquáticas.
Convidei a professora para um café e um charro, na leitaria do bairro.
Como veremos, o objectivo era tortuoso, mas exequível. Ela aceitou de imediato.
O meu charme já era imagem de marca à época.
Puxei a cadeira para a professora se sentar, aconcheguei-a à mesa. Só depois ocupei o meu lugar diante da profissional de ensino, como mandam as regras da etiqueta.
Ela entrelaçou as mãos e nelas apoiou o seu bem delineado queixo. Olhou para mim, fixamente, com os seus olhos azuis FCP, bem delineados a lápis Lancôme Artliner. Entreabriu os seus bem delineados lábios vermelhos, pintados com Lancôme Color Fever, que garante um efeito sensual de longa duração (nota do autor: já chega! ela tinha tudo bem delineado…) e pronunciou com voz lúbrica:
- O que é que nos trás aqui, JC?
- Um café e um charro, pois claro! – sibilei eu.
- Não gosto de cafeína e drogas só das duras – diz-me ela, com um sorriso sarcástico.
- Uma bejeca? – perguntei.
- Frequento os Alcoólicos Anónimos, mas pode ser um pastel de nata e um chá de cidreira Lipton – responde, já enfadada.
Realizei então que esta iria ser a mais dura negociação do meu ainda curto projecto de vida.
Desesperadamente, abarquei com o olhar o ínfimo espaço da leitaria, tentando localizar algum consultor da McKinsey que pudesse dar uma ajudinha, mas népia.
O Lopes, 62 anos, viúvo, engraxador, não estava à altura da missão; o Serafim, 33 anos, divorciado, da loja de bicicletas, era inútil para a função; a dona Marcelina, 56 anos, doméstica, casada e com três filhos, também não servia para o caso.
(nota do autor: a referência à idade, estado civil e profissão é somente um artifício para conferir maior profundidade à trama…)
Arregacei as mangas e fui directo ao assunto:
- As minhas fontes geralmente bem informadas garantem-me saber quem furou os pneus do seu Maserati Spider 2.0 encarnado (isto era no tempo que os profes ganhavam uma pipa de massa).
- Está o JC a dizer-me que conhece quem praticou esse acto ignóbil no meu automóvel… - inquire ela, olhando-me penetrantemente.
- Exactamente, aqui o seu JC está disponível para lhe ceder essa preciosa informação – confirmei eu - Mas a referida tem um preço. E alto!
- O menino JC saiu-me cá um brincalhão – remata ela, com uma sonora gargalhada – Então vamos lá saber o custo dos melões!
- Acompanhe o meu raciocínio, se faz favor. Como a senhora professora saberá, a performance escolar que tenho evidenciado situa-se em níveis pouco consentâneos com a minha real capacidade intelectual, que me eleva ao nível de rapaz-prodígio. Portanto, a senhora professora não explora convenientemente o meu potencial. Se o fizesse teria já concluído que só uma avaliação enviesada e, portanto, pouco rigorosa, do meu desempenho tem dado expressão ao sentido das notas que me tem atribuído – Afinal, para que é que eu preciso de um consultor da McKinsey? – murmurei, com orgulho.
- É verdade que as notas do JC estão num beco sem saída, tudo indica que o menino está perdido no sistema educativo e quanto ao seu estatuto de rapaz-prodígio nem faço comentários – Afirma a professora.
- Mas se eu lhe disser quem furou os pneus do Maserati, o beco transforma-se num imenso boulevard parisiense e passarei a dominar a teoria da relatividade. Se bem entendi as suas palavras, senhora professora… - disparei eu, convencido da força dos argumentos.
- Dou-lhe 18 a tudo! – afirmou, sem pestanejar.
- Eu estava mais a pensar nos vintes. Mas como acordei bem-disposto, aceito!
- Diga lá quem atentou contra a integridade da minha viatura e fechamos negócio – disse ela, rodopiando a bem delineada (nota do autor: não resisti, desculpem lá!) língua no creme do pastel de nata.
- Fui eu, senhora professora – conclui.
Quando o pastel de nata me aterrou no focinho e, logo de imediato, era atingido por uma chávena de chá em velocidade supersónica, percebi que tinha cometido um erro. Qual? Bem, ainda hoje me questiono sobre isso. Terei sido demasiado simpático?
Pelo sim, pelo não, nunca mais puxei a cadeira para uma senhora de sentar.
Como o leitor já entendeu, esta negociação não teve um desfecho admirável. Mais uma partida que a memória me pregou…
Não só fui varrido a quatros em todas as disciplinas, como ainda tive de ir trabalhar como caixa de supermercado, nas férias de Verão, para pagar à professora um magnífico jogo de pneus Michelin 205/45/16 83 ZR.
Conhecendo quão amarga pode ser uma negociação, jamais (pode pronunciar-se à francesa…) reincidi no erro. Aprendi. Tornei-me mais homem. Um homem que não comete erros. Um homem duro e inflexível. Um homem que não perde negociações. Um homem que não cede à vulgaridade do acto negocial. Um JC implacável.
Foi desta forma, astuta, que realizei a segunda negociação da minha vida.
O momento histórico em que o yan atravessou a estrada e foi atropelado pelo yin.
O momento em que abafei a carteira ao Manny González.
Entretanto, mais a norte do Panamá, nos arredores de Coimbra, Hotel Quinta das Lágrimas, desenrolam-se acontecimentos que só não constituem um escândalo porque estamos no domínio da ficção.
Num negócio assessorado por JM (mais conhecido por Júdice), um empresário nortenho (não, não é o Belmiro) passa uma mala com 5 milhões de euros em notas a José Eduardo Simões, director de Urbanismo da câmara de Coimbra, para obter um parecer favorável à construção de mais um Shopping.
O mesmo José Eduardo Simões, agora na qualidade de presidente da Académica, guarda para si uma parte do dinheiro da mala e entrega o restante a Luís Filipe Vieira, empresário de pneus e da construção civil.
Este Luís Filipe Vieira retira algum dinheiro da mala para o seu bolso e entrega-a a Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, que, nesse instante, olha para baixo e vê um homenzinho, aos pulinhos, a puxar-lhe a ponta da gravata. É o consultor de comunicação do Benfica, que é sócio do Sporting, que também quer algum.
Depois de pôr uma parte do dinheiro numa off-shore, Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, passa, então, a mala a Fernando Chalana, dando-lhe as indicações para o jogo, na Luz, com a Académica:
- Oh mister, tens aqui umas coroas, 20 mil euros no total, para distribuíres à malta no balneário. Trata lá disso, que a malta tem de ser goleada na próxima sexta-feira.
- Boa, presidente! Não há crise. De acordo com a actual cotação da compra de resultados, combinada com a valorização em bolsa dos nossos jogadores, isto dá para três golos!
Depois do jogo, o empresário e presidente do Benfica, agora na qualidade de cidadão honesto, Luís Filipe Vieira, acusava: “É nítido que há jogos viciados. A PJ tem de entrar em campo.”
(Nota do autor: o marmelo proferiu estas palavras uma semana antes, após o jogo com o Boavista, mas acontece que isto é ficção, lembram-se?)
TO BE CONTINUED…

5 comentários:

RJAM disse...

Agora vou almoçar mas depois já vou ler... é que a fome está primeiro que a cultura!

Anónimo disse...

será que esta história vai descabar para o futebol????Ainda não li nenhum tiro, nenhum marido traido...nem a descrição de uma cena mais "caliete"... os corredores da corrupção tem muito interesse...mas é preciso muito mais para escrever até 2015...
cumprimentos ...

Anonima Aflita

Fernando Bugalho disse...

Desculpem lá, mas estou absolutamente rendido aos dotes de escrita do nosso amigo.

Gostei do detalhe das medidas dos pneus Michelin.

Estou em "Pulgas" para ler o próximo capítulo.

Não quererás pensar numa versão cinematográfica baseada no teu conto ?

RJAM disse...

Continuo a acompanhar com interesse o crime em LA Velha. Gostei especialmente da seguinte passagem: "...bem delineados a lápis Lancôme Artliner. Entreabriu os seus bem delineados lábios vermelhos, pintados com Lancôme Color Fever, que garante um efeito sensual de longa duração...". Onde irá o autor beber estas informações que só as mulheres deveriam saber? A história depois toma a direcção futebolística, o que comprova que a mente do autor se encontrava atormentada, tentando justificar o injustificável para 6 milhões de Portugueses (os 6 milhões mais inteligentes mas os mais sofredores ao mesmo tempo). Bom, aguardo, curioso, o capitulo 3.

"O Bolas" disse...

Ao estilo do melhor que foi feito e publicado (2 numeros, mas enfim....... o que para a época foi extraordinário) na Revista Cor de Rosa "SCANDALL"