quinta-feira, 17 de julho de 2008

"CRIME EM LINDA-A-VELHA CITY" - CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 35
A SUBIDA DO MERCÚRIO ENTRE COQUEIROS E PALMEIRAS

“Tom Cruise saiu à rua com um chapéu americano”
(nota: e o “jornalista” que escreveu isto devia ser proibido de sair de casa, com ou sem chapéu…)
“O guarda-redes da Selecção mostrou ter jeito para o golfe”
(nota: agora é que o Ricardo descobriu a sua verdadeira vocação? Não podia ter percebido isso antes do Europeu?)
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No final do anterior capítulo, Zé das Osgas preparava-se para abater JC, no Mil e Uma Noites.
O meliante contratado pela Killing Quickly, Inc. tem o nosso herói na mira da sua pistola. JC não tem fuga possível. Permanece hirto no meio do bar.
Se ele fosse um homem dado à religião, estaria a rezar as últimas preces. Não o sendo, na medida em que, como já vimos, tem paixões mais mundanas, como o sexo e o crime, o seu último pensamento vai para as quecas que ficariam por dar, para os castelhanos que não iria conseguir liquidar.
Naquele instante, o sorriso de Zé dos Anzóis desvanece-lhe nos lábios e é substituído pelo esgar da morte. O meliante cai, já cadáver, na alcatifa do Mil e Uma Noites.
Do outro lado da sala, Tatiana Bossanova permanece de pernas flectidas e braços estendidos, com a arma apontada, que segura habilmente com as duas mãos. Os seus belos e luminosos olhos verdes são agora duas miras frias e mortais.
Baixa a arma, liberta a tensão, abre a sua pochette Hermes Kelly e guarda a pistola, com uma calma impressionante.
JC respira de alívio. Aproxima-se. Tatiana esboça um sorriso, os seus olhos recuperaram o brilho. JC abraça-a, aperta os lábios contra os da bailarina. Beijam-se sofregamente.
Os poucos clientes aplaudem, contidos, porque são intelectuais. As bailarinas choram de emoção. O barman coloca uma fila de 20 pequenos copos no balcão, enche-os de vodka e consome-os em grande velocidade. No final, cai redondo e leva atrás de si uma prateleira inteira de garrafas. E ali fica, estendido, numa poça de álcool.
O porteiro entra, cambaleante. Olha para a cena com profunda admiração. Valeu-lhe o colete anti-bala, que, hoje, tinha vestido sob a camisa de seda, por insistência da sua Amélia, grávida de dois meses.
Nessa ocasião singular, o porteiro decide que se for menina chamar-se-á Virgem Maria e que, no caso de ser menino, o baptizará de Graças a Deus.
Tatiana Bossanova sai do Mil e Uma Noites, de mão dada com JC, tendo justificado a ausência ao gerente pela necessidade de ir dar sangue. Nem ela imagina como isso se poderá tornar realidade…
Um torvelinho de perguntas rodopia na mente de JC, mas ele não consegue concretizá-las. Habitualmente de verbo fácil, o nosso herói encontra-se agora em dificuldades para ordenar as ideias.
Tatiana revelou-se uma mulher cheia de recursos. Ele já tinha constatado a sua mortífera arte no varão, mas o facto de ela se ter mostrado uma atiradora excepcional faz calar a voz de JC.
Ele está igualmente aturdido pelos acontecimentos. Não é qualquer um que escapa, em poucos minutos e por duas vezes, de uma morte que parecia inevitável.
A surpresa face às qualidades letais de Tatiana mergulha-o em profunda introspecção. O silêncio pesado de ambos é compensado pelo som ritmado e agudo dos saltos altos da bailarina nas pedras da calçada.
Vão dormir, juntos, o sono dos justos. Tão certo como o sol voltar a raiar dentro de poucas horas, JC encontrará em breve a capacidade de verbalizar as suas interrogações.
Playa de la Cruce Ahora Arreglada. JC e Tatiana Bossanova dormiram até ao entardecer e passeiam agora na praia.
O sol põe-se no horizonte, projectando na beira-mar de Linda-a-Velha City os seus magníficos raios alaranjados. O mercúrio dos termómetros inicia uma descida, embora pouco acentuada. Os mais entendidos referem que estarão uns amenos 25 graus centígrados. Mas ninguém pode ter a certeza.
Os termómetros, cuja produção e instalação está entregue, em regime de monopólio, ao sobrinho do presidente da câmara, nunca funcionaram devidamente.
O jornal da Oposição mandou fazer análises ao mercúrio e publicou uma escandalosa reportagem, provando que, afinal, os termómetros funcionam a refresco de groselha e bastante aguado, por sinal.
O tal sobrinho defendeu-se, afirmando que o problema não é da sua responsabilidade, mas sim do aquecimento global do planeta.
- Todos sabemos que o planeta está a aquecer. Não são precisos termómetros!
Este seu argumento encontrou eco na Assembleia Municipal, cujo presidente já trabalhou na Suíça, como taxista:
- Experimentem pôr uma panela com água ao lume, deixem ferver, metam a mão lá dentro e vejam se não ficam queimados. Tudo o que ferve queima e tudo o que queima faz aquecer o planeta. E a culpa é dos termómetros? E a culpa é do sobrinho do senhor presidente da câmara? Por amor de Deus, não sejam demagógicos!
Foi instado pela Oposição a esclarecer melhor a sua posição:
- Diga-nos lá, seu pateta, o que é que o cu tem a ver com as calças?
- Tem sim senhor! – respondeu o presidente da Assembleia Municipal, dando umas palmadas sonoras no avantajado rabo.
- Toda a gente sabe que, neste particular, a culpa é do buraco da camada de ozono… - comenta um deputado municipal da Oposição.
- Vocês tão sempre a queixar-se, mas nunca colaboram! Digam lá onde é que tá esse buraco, que manda-se já tapar – desafia o presidente da assembleia.
- Deixe-se de tergiversações. A gente quer é saber porque é que os cidadãos não têm o direito de conhecer as temperaturas com rigor – insiste a Oposição.
- Esse problema não se coloca em Linda-a-Velha City. Nesta cidade, as temperaturas estão controladas, graças à superior gestão autárquica. Portanto, os termómetros servem apenas para decorar o mobiliário urbano. Termómetros a sério são um luxo e quem quiser usufruir deles deve pagar uma taxa – responde o líder da Assembleia.
- Apoiado, abaixo os burgueses que querem saber as temperaturas certas. A nossa temperatura é da melhor que há no mundo – gritou um cidadão muito parecido com o presidente da câmara.
Indiferentes a esta polémica, os pescadores da Playa de la Cruce Ahora Arreglada regressaram da faina e pode observar-se a sua azáfama na descarga da pescaria no dourado do areal.
Uma míriade de peixes saltita das redes e vem estrebuchar na areia límpida, encantando os turistas que saboreiam os seus frescos cocktails nas esplanadas que se estendem pela areia fina, banhada pelas cálidas águas desta cidade dotada de extensos areais.
Isto é capaz de ser areia a mais para um único ótócarro da Vimeca… mas o irmão do presidente da câmara, que é areeiro, pediu ao autor para promover a qualidade das areias locais, que exporta para todo o mundo.
O autor ainda balbuciou uma escusa, mas mudou de ideias quando o meteram num bote, o levaram para alto mar e começaram a fazer cimento…
Com o entardecer, começam a surgir, por entre as palmeiras e os coqueiros, os primeiros sons da música tradicional de Linda-a-Velha City, que substitui o canto das aves tropicais, dominantes durante o dia.
A música típica da cidade é uma fusão – um conhecido VJ dirá que é mais uma confusão… – de ritmos quentes, do blues e do funk, do cajun e do zydeco, da morna e do kizomba, de rumba, salsa e reggae.
Os corpos sentem a mudança e, embalados pela afrodisíaca música, iniciam um exótico bambolear, que se vai acentuar pela escaldante noite dentro, pelos bares e esplanadas que salpicam a praia.
Já pela madrugada, o suor vai fazer brilhar os corpos bronzeados dos autóctones e a pele escaldada dos forasteiros, iluminados pelo inesquecível luar que chama à paixão.
O suave aroma que enche o ambiente costeiro de Linda-a-Velha City é, aqui e ali, entrecortado pela exuberância olfactiva dos fluidos corporais excretados após redobradas horas de intensa actividade sexual, no recato dos bungalows, instalados sob os coqueiros e as palmeiras, na placidez das dunas dos areais dourados.
Com o evoluir dos raios solares para além do horizonte, o azul esverdeado do mar transmutou-se num espelho transbordante de brilhos do luar.
É neste cenário romântico que JC e Tatiana deambulam, há longas horas, até que decidem, finalmente, recolher-se num bungalow.
E que vão os dois amantes fazer para o bungalow? É na resposta a essa e outras questões que o autor vai dedicar as próximas horas… buscando inspiração numas deliciosas “margaritas”. E como não é um escriba egoísta, aqui fica a receita:
Juntar num shaker 40ml de tequilla, 20ml de cointreau (ou triple sec), duas colheres de sopa de sumo de limão (ou lima) e cubos de gelo. Agitar o shaker durante 20 segundos. Humedecer com limão o rebordo de uma taça de cocktail, e assentar o rebordo num pratinho com sal fino. Deitar na taça a mistura preparada no shaker. E depois beber, claro.
TO BE CONTINUED…

4 comentários:

Anónimo disse...

Zé das Osgas ou Zé dos Anzóis? Tu drogas-te, pá? Já nem vês a diferença entre uma OSGA e um ANZOL?

MANUEL JESUS disse...

As minhas desculpas. É que são ambos répteis, embora o anzol tenha dimensões mais reduzidas. Daí a confusão...

Anónimo disse...

Olá meus queridos, meus amores. Olá Bimbinha ;)

Já vi que há aqui algumas confusões com osgas e anzóis. Eu já explico a diferença. Deixem-me lá ser hoje a intelectual de serviço. Sim, que não sirvo só para falar do tamanho dos membros. Por falar nisso, o meu orientador de tese, gostou muito do texto que eu escrevi. Nem me deixou acabar de lê-lo. A culpa é da perna. Não digam a ninguém mas ele tem a Síndrome da Perna Inquieta, que é um distúrbio neurológico em que os pacientes sentem uma necessidade incontrolável de abanar uma ou mais pernas (não se admirem! Tirei 16 em neuropsicologia). É tão giro. Quando ele começa com isso lá pede para me sentar na perna maluca. Aí acalma-se, embora fique a babar-se um pouquito, mas é tão querido. É mesmo o tio-avô que todas nós gostaríamos de ter.

Bom, vamos lá à confusão das osgas e dos anzóis:

OSGA
nome feminino
1. zoologia: pequeno sáurio que tem as extremidades dos dedos alargadas em formações discoidais, adaptadas à locomoção em paredes, muros e tectos, e é vulgar nas regiões mais quentes de Portugal
2. popular: aversão, asco

ANZOL
nome masculino
1. gancho metálico, farpado, a que se prende uma isca para pescar
2. figurado: meio utilizado para a obtenção de algo, engodo, artimanha

Como vêm, não são a mesma coisa, se bem que o personagem nos crie alguma aversão e possivelmente seja dado a artimanhas. Proponho, querido Manuel, que o passes a chamar Zé Osga dos Anzóis. Até podes dizer que é Osga por parte da mãe e Anzóis por parte do pai. Não fica um amor.

Beijos, beijos. Até à próxima.

MANUEL JESUS disse...

Obrigado pelos esclarecimentos. E eu que pensava que anzol era um réptil...
A questão está resolvida. O Zé das Osgas dos Anzóis era uma personagem secundária e já está liquidado.