sexta-feira, 2 de maio de 2008

"CRIME EM LINDA-A-VELHA CITY" - CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 13
ACORDAR É UM PESADELO

“O mundo divide-se em pessoas boas e pessoas más.
As pessoas boas têm um sono tranquilo.
As pessoas más divertem-se muito mais.”
Woody Allen

JC acorda no seu quarto do rés-do-chão. Ainda sonolento e incapaz de se mover. Questiona-se sobre o dia anterior:
- Como é que eu vim aqui parar, depois de abandonar o Mil e Uma Noites? Não recordo um caroço do que se passou. Isto de beber vodka f…-me sempre a carola. Que “branca” do caraças! Mas porque é que não me consigo mexer?
JC entreabre os olhos e vê-se manietado à cama por grossas correias de cabedal.
- Acorda c… - grita um armário vestido de preto.
Este berro leva JC a despertar completamente do estado letárgico e a olhar em redor.
Distingue o armário, que avalia em cerca de 100 quilos de músculos.
Ao lado deste, um gajo com óculos e ar de totó da informática, envergando uma t-shirt branca onde se lê “I have nothing to declare except my brains”.
E ainda um fulano meio apaneleirado, de fato Armani, damasco, e gravata, ametista, encostado à parede, com os braços cruzados.
- Mas o que é esta merda? O que é que vocês querem, seus cabrões?
- Não te armes em esperto, que nós bem te vimos esta noite a entrar em casa a rastejar – disse a carga de músculos – Estavas a esconder-te de nós, não era?
- Bom, ao menos já sei como é que cheguei a casa…
- Silêncio – diz o gajo apaneleirado.
- Mas quem és tu, meu grande filho da p…? – pergunta JC.
- Longknife… Bill… Longknife.
- Americano?
- Chicago… Illinois… P… é a tua.
- Vamos lá ao que interessa! – diz o totó da informática.
- Quero lá saber o que é que te interessa. Se dependesse de mim era que te nascesse um furúnculo no cu – responde JC.
- Acontece sempre isto quando temos de “acordar” um gajo! – diz o totó.
- Admiro-me é como é que vocês ainda estão vivinhos da silva se costumam acordar um tipo desta maneira. Fizessem essa merda ao Manuel Fiúza e levavam com uma bota nos cornos.
- Quem? – perguntam os três em coro.
- Não conhecem. O gajo também se costuma baldar aos jantares com justificações pouco convincentes.
- Então é assim – explica o armário – Vou desamarrar-te e tu vais ficar quietinho ou…
- Ou o quê, meu merdoso? Levo no focinho, é?
E pumba, JC leva um soco que o põe a ver estrelas. Ele é um desfile de marilyns, angelinas, nicoles, cates, selmas, gwyneths, winonas, até chegar à Dolly Parton e o susto se tornar superior à dor.
- Estás esquecido, mas és um agente da Killing Quickly, Inc. – informa o totó.
- Ah isso é que não sou!
- És!
- Não sou!
- És!
- Não sou!
O armário aperta os tomates a JC, que diz com a voz sumida:
- Sou! Sou! Sou! Sou tudo o que vocês quiserem, até paneleiro como aquele gajo que está encostado à parede, mas larga-me os tomates c…
- Pesadelo – murmura Bill Longknife.
- O quê? – pergunta JC.
- O gajo diz que será o teu pior pesadelo se voltares a chamar-lhe paneleiro – traduz o totó da t-shirt.
- Um nadinha susceptível, não?
- Como estava a dizer-te, tu és o agente Nº 15.444, “adormecido” em 13 de Março de 1998, e cuja memória foi apagada desde o dia 11 de Setembro de 1987, quando tinhas 10 anos de idade, até ao presente. E que agora vamos “acordar” para desempenhares uma missão extremamente importante.
- Oh rapaz, tudo drogas-te? Ainda não reparaste que estou mais do que acordado?
- Não é esse acordar, é uma operação de regressão de memória… olha, para não perdermos mais tempo, depois lês o capítulo 10 do “Crime em Linda-a-Velha City”. Pode ser?
- Preferia ler o “Tintim no País dos Sovietes”, que tem mais bonecos, mas se tiver que ser…
Agora mais calmo, JC é então libertado das amarras e sentado em frente do portátil desdobrável Toshiba XPTO75.0.WB.1500000GB, um modelo que só será lançado no mercado em 2027.
- O colega vai olhar fixamente para o écrã, relaxar e ouvir a mensagem processada pelo nosso programa informático de ciber-hipnose, OK?
- Vocês são uns grandes malucos. Andam a abusar dos filmes policiais!
Bill Longknife, que continua encostado à parede, suspende a tarefa de pintar os olhos e olha para JC, notando-se que começa a perder a paciência.
- Anda lá, meu, facilita a coisa – sussurra o totó de forma cúmplice – não vês que o armário está doido para te ir outra vez ao focinho… E se o boiola guarda o eyeliner no bolso estás lixado. O último gajo que lhe interrompeu a maquilhagem foi mergulhado em ácido sulfúrico…
- Tá bem, pronto, convenceste-me, vamos lá a isso.
Ao som do tema chillout “Bombay Night”, de Rajiv Basham Singh, o programa informático, com voz de Norah Jones, começa a debitar num tom monocórdico e suave:
“Por favor, feche os olhos e relaxe… concentre-se na música… a música é fixe… você adora esta música… abra a sua mente… a sua mente está agora encancarada… pense no seu pé direito… totalmente relaxado… pense no seu pé esquerdo… totalmente relaxado… pense na sua perna direita … totalmente relaxada… pense na sua perna esquerda… totalmente relaxada…”
A voz continua, desta forma, ordenando a JC para relaxar todas as partes do corpo, até aos olhinhos.
“Imagine que está numa praia deserta… está sentado na areia… rodeado de areia dourada… estupidamente dourada… parece os douradinhos da Iglo… está a olhar para o mar… o mar é giro… azul… olhe para a espuma das ondas… muito branca… como a de uma cerveja bem geladinha… imagine lá ao fundo… muito longe… um navio… um grande navio… balançando… nas ondas… veja como ele balança… suavemente… veja o mar tranquilo… agora imagine uma onda muito grande… ela torna-se cada vez maior… está mais alta que o navio… a onda aproxima-se… está cada vez mais perto… muito próxima…”
(Passemos à frente na descrição. A p… da onda nunca mais chega…)
“Você está no navio… veja-se na proa do navio… imagine que é o Leonardo diCaprio… você é o diCaprio… está agarrado à Kate Winslet… a maravilhosa Kate Winslet… ela é muito bonita… tem uma pele suave… sacuda o cocó de gaivota que ela tem no ombro… imagine a onda a atingir o navio… o navio balança cada vez mais… veja o navio a balançar… o navio a adornar… imagine a Kate Winslet a cair na água… imagine a Kate Winslet a tentar manter-se à tona da água… veja como ela está em dificuldades… a água é imensa… ela está quase a afogar-se… ela precisa de ser salva… você tem de a salvar… ela está quase submersa… quando ouvir os primeiros acordes de “My heart will go on”, você vai saltar para a água… agora salte para a água… você está a nadar… a nadar com muita força… vai acordar quando o totó da informática lhe beliscar os tomates… vai recordar tudo o que havia esquecido desde o dia 11 de Setembro de 1987… mas só quando o totó lhe beliscar os tomates… só quando o totó lhe beliscar os tomates…”
O Totó belisca os tomates de JC e este acorda repentinamente no chão. Mas continua a nadar, a nadar, a nadar como o camandro, para salvar a sua Kate…
- Oh meu, pára lá com essa merda! Já acordaste, não és o diCaprio e a gaja afogou-se! – diz o armário, interferindo na experiência, o que lhe valeu uma reprimenda de Longknife:
- Canto!
O armário deslocou-se para o canto mais afastado do quarto e ficou de castigo virado para a parede.
O totó dirige-se a JC, verifica que este está perfeitamente lúcido e pergunta-lhe:
- Tudo OK? Recuperaste a memória?
- Fogo, meu, ganda pinta. Esta cena da ciber-hipnose é do baril. Posso repetir? E deixam-me na praia de areia dourada, sozinho com a gaja? E sem ondas grandes como o c…? Sem naufrágios, afogamentos e gaivotas?
- Vá lá, meu, já sabes quem és na realidade?
- Recordo tudo clarinho como a água. Sou mesmo um agente secreto e doutorado em física nuclear (aquilo que o autor promete… cumpre!).
Mas, sem ninguém estar à espera, JC dirige-se ao roupeiro, veste-se de motociclista, inclina a cabeça para o lado, levanta um braço e faz esvoaçar a mão, enquanto assenta a outra na anca. E começa a dançar, cantando aos berros:
“In the navyYes, you can sail the seven seasIn the navyYes, you can put your mind at easeIn the navy”
No próximo capítulo, entre outras novidades, conheceremos as razões que levaram JC a praticar acto tão extravagante.
(OK, tá bem, abichanado, pronto, é mesmo apaneleirado).
TO BE CONTINUED…

6 comentários:

Anónimo disse...

MUITO BEM!!!!!
Andei fora uns dias e para onde é que essa história andou!!!!!
Manuel...estás mesmo fenomenal...
Será que posso dar um papite...
Aquela cena toda do JC sair a dançar e tudo tem a ver com a sua iniciação sexual????
Se não for...também não tem problema...estou adorando...

Anónimo disse...

Ah ... acho que sei mais ou menos o que é acordar depois da 20ª vodca!!!!
deve ser parecida com aquela que tive quando bebi umas 10!!

Fernando Bugalho disse...

Mau, mau...

Então o nosso autor está a querer fazer do nosso herói um "pega de marcha-atrás" ??

Eu que estava com esperança, depois do capítulo 12, que a história fosse mais centrada no JC e na Tatiana e afinal temos o gajo a cantar os Village People" ?

Ou é apenas o desvendar do lado feminino que todos os homens possuem ?

Ou é apenas para disfarçar o enganar os "pintas" ?

Anónimo disse...

Mau mau digo eu....
Então o que tem de mais no Village People????
E se a Tatiana for um transsexual ??? Há muitos com tonacidade muscular ...assim como a descrita pelo autor...
Não sejas preconceituoso e deixa lá o Manuel escrever em paz...

RJAM disse...

Fiquei a saber que existe um Rajiv Basham Singh (uma lacuna na minha cultura de DJ) e sai já o video dos Village People.

MANUEL JESUS disse...

Anónima aflita: não tem a ver com iniciação sexual e sim com... ups, agora ia-me descaindo com o próximo capítulo... Pois é. Multiplica as vodkas por 2 e imagina só...
Bugalho: é só para enganar os leitores! O gajo é bissexual, como veremos mais à frente.
Bimba: boa, boa, essa da Tatiana ser um transsexual. Vou pensar nisso!
Rjam: venha ele! Ah, já veio... este rapaz é mais rápido que a própria sombra.